Se você não conhece este Conspiração e Poder, existem duas razões principais: a qualidade da produção e, em especial, outro filme com temática semelhante. A produção foi lançada nos Estados Unidos no mesmo período que Spotlight. A comparação foi inevitável e cruel. Duas obras inspiradas em fatos reais sobre jornalismo. Uma exultante e outra trágica. Além da abordagem, o que mais incomodou, porém, foi o partidarismo do diretor e roteirista.
Neste caso, isso se deu porque o filme conta a história da jornalista Mary Mapes (Cate Blanchett) e adapta a trama do livro escrito por ela. A situação real se deu em torno de uma polêmica que ocorreu quando ela e uma equipe do programa jornalístico 60 Minutes fez uma grande reportagem sobre o passado militar do George Bush quando ele estava na presidência. Após a transmissão, descobre-se que os fatos levantados estavam errados e a carreira profissional dos envolvidos fica em perigo.
O grande problema é óbvio. Como a história foi escrita por Mapes, o roteiro, e o próprio corte final, se tornam panfletários. Não é uma grande surpresa. O filme é a estreia na direção do roteirista James Vanderbilt, cujos trabalhos anteriores eram claramente de esquerda em relação à política estadunidense. A jornalista afirma no livro que foi injustiçada por um sistema sujo que manchou o jornalismo como um todo e Vanderbilt defende a mensagem com unhas e dentes.
Isso se reflete na forma como o filme retrata a ética jornalística e a responsabilidade desses profissionais. “O jornalista deve questionar absolutamente tudo” dizem repetidas vezes os personagens quando se defendem das acusações. Curiosamente, eles nunca questionam a si mesmos ou ao material que coletaram, mesmo quando as provas ficam fortes contra eles. O motivo é o mesmo pelo qual Vanderbilt provavelmente resolveu contar a história. Bush é maligno e com certeza eles estavam certos por isso.
É um sinal de mau jornalismo. A convicção é maior que os fatos. O jornalista pode (e deve) ser parcial, mas ele não pode deixar que a opinião pessoal altere o que acontece. Apenas como exemplo, vamos pegar o impeachment da Dilma Rousseff. Veículos de “esquerda” afirmam que é um golpe e os de direita que é o processo político justo. Ninguém, porém, vai negar que o processo de impeachment ocorreu. O que Mapes sugere, e Vanderbilt também, é que não importa se as ferramentas do jornalismo falharam e eles divulgaram uma falsa verdade (mentira, de forma bonita), eles estão certos e pronto.
O mais assustador é a forma como os erros dos personagens são negados vez atrás de outra. Em certo momento, de maneira embaraçosa, Mike Smith (Topher Grace), um dos membros da equipe, faz um discurso sobre o absurdo de ser proibido de entrar no prédio da empresa jornalística. Em resposta, o editor-chefe Josh Howard (David Lyons) responde “Claro, é uma conspiração. Não foram vocês que fizeram merda”. Mas o roteiro mostra o chefe como um cretino ganancioso, por isso ele deve estar errado. Infelizmente, Vanderbilt não percebe a ironia de ter, involuntariamente, dado um bom argumento para os defeitos dos protagonistas.
O roteiro não é necessariamente ruim. O diretor/roteirista conta a história com inteligência. Faz com que o espectador acompanhe o levantamento dos documentos e fatos, a preparação da reportagem para a TV, a forma como a veracidade dos dados é determinada. Então surge uma evidência contrária, depois outra. Aos poucos, tudo o que eles fizeram é quebrado e começa o grande drama. Eles vão ter que lutar pela verdade que contaram.
O que não é errado por si só. Se um jornalista descobre que uma informação noticiada está errada, ele deve buscar novos fatos que suportem o que publicou. O problema é que fica óbvio no filme que eles não tinha evidências suficientes. Foi um erro. E um bastante honesto. Eles verificaram como puderam os dados, mas acontece com alguma frequência que mesmo essa verificação resulta em erro. E os personagens, especialmente Mapes, se recusam a fazer uma errata.
Com diálogos inteligentes e ácidos, acompanha-se a tragédia da derrocada da protagonista. E Vanderbilt filma bem também. O melodrama não é estridente, mas é palpável. Ele usa de muita fotografia dourada para que o mundo do bom jornalismo seja caloroso e aos poucos diminui a saturação para os momentos em que os personagens percebem que “o bom jornalismo” está morto. É eficiente e conta bem a história.
Existem outros bons destaques da parte técnica. A trilha de Bryan Tyler mistura o estilo de vinhetas de veículos jornalísticos com uma bela trilha grandiosa e orquestrada de grandes filmes que normalmente concorrem ao Oscar. A direção de arte recria a época (2005) com pequenas mudanças de estilos nos poucos dez anos que se passaram de lá até aqui. Em especial na parte de tecnologia televisiva, que virou transmissão em alta definição. O uso de TVs de tubo é interessante.
Cate Blanchett vive essa tragédia com uma dignidade típica dela. Mesmo quando perde tudo e nota que a carreira pode acabar, Mapes tem força e imponência para lutar pela matéria que fez. Em grande parte pela capacidade da atriz de demonstrar resiliência em meio a vulnerabilidades. Robert Redford é um gigante em cena. Ele faz o apresentador do 60 Minutes Dan Rather com austeridade. A riqueza do poder de cena do ator veterano é útil para quando ele cai. A tragédia da queda de Rather é maior por conta da presença de Redford. De resto, todo o elenco não escapa de estereótipos. Mesmo um bom e veterano ator como o Dennis Quaid não escapa da pequenez do papel que desempenha.
Um exemplo curioso em que toda a parte técnica de um filme funciona muito bem para a narrativa, mas a mensagem arruína a proposta. Seria um grande filme, se não fosse ufanista e cego em relação ao absurdo do que retrata. Pior ainda por ser baseado em fatos reais. Melhor ficar com Spotlight, mesmo.