O trem Snowpiercer carrega o que sobrou da humanidade após uma catástrofe global que congelou o mundo. Os pobres vivem na imundície e com fome nos vagões traseiros. Os poucos ricos vivem com conforto e luxo do meio para a frente. Curtis (Chris Evans) vive no último vagão e inicia uma rebelião com um pequeno exército para chegar à locomotiva, matar o líder de todo o sistema, Wilford (Ed Harris), e inverter os valores do mesmo.
No dia 20 de maio de 2013, o Velha Onda recebia um post da coluna Estamos de Olho sobre este Expresso do Amanhã. Um ano depois, em nove de maio de 2014, um post sobre o trailer red band do mesmo filme. Neste meio tempo, ele foi lançado nos circuitos comerciais de cinema de 30 países ao redor do mundo. O novo trailer servia para a divulgação nos Estados Unidos, que se deu em julho daquele ano. O filme, obviamente, chegou através dos meios ilegais no Brasil e vários veículos daqui já tinham comentário sobre porque ele estava programado para estrear em setembro de 2014. E agora ele finalmente é lançado em agosto de 2015.
Adaptação sul-coreana de história em quadrinhos francesa com elenco predominantemente americano, Expresso do Amanhã chama a atenção por diversos motivos. Primeiro pela direção de Bong Joon Ho, do excelente O Hospedeiro, um filme de efeitos especiais feito com apenas 10 milhões de dólares. Depois pelo elenco que conta com os já mencionados Chris Evans e Ed Harris, além de John Hurt, Jamie Bell, Octavia Spencer, Song Kang Ho, Tilda Swinton, Ko Asung e Alison Pill. Isso em um filme sobre distopia social.
Toda a sociedade humana é representada nesta fila de vagões constantemente em movimento. Ninguém pode sair porque o clima exterior é hostil demais. Presos nesse espaço injusto, o trem se torna uma alegoria para a própria humanidade desde as divisões econômicas criadas no último século. A discussão final trata claramente do grande problema do capitalismo. Para que a sociedade funcione no sistema, é necessário que muitos vivam com pouco para que poucos tenham muito. Poderia ser um grande panfleto socialista, mas trata-se de um mistério. O que Curtis pretende fazer quando chegar à locomotiva, matar Wilford e se tornar o líder do Snowpiercer? Baseado na violência e eventual crueldade com a qual se desloca através dos vagões, ele pode ser um tirano tão sádico ou pior que o inimigo.
Evans em cena com Song Kang Ho e Ko Asung. Maldade em todas as classes sociais.
Eis a beleza por trás do argumento proposto por Joon Ho para a plateia. Não existe salvação conhecida para a sociedade contemporânea. Para impedir a desigualdade e abrir espaço para equilíbrio entre as pessoas, é preciso matar gente. As próprias características negativas da humanidade impedem que qualquer sistema econômico faça sentido. A violência e a ganância inerentes à espécie garantem que os próprios homens sabotem as possibilidades de viver em paz.
Nisso, Joon Ho não perdoa ninguém. É claro que os pobres ganharão mais empatia durante o filme. O diretor garante que as muitas injustiças retratadas sejam perturbadoras, mas muito no estilo de Todd Solondz em Bem-Vindo à Casa de Bonecas, Joon Ho sabe que os oprimidos se tornarão opressores se tiverem a oportunidade. Não é porque sofrem que são boas pessoas. Curtis, o protagonista, representa isso muito bem. Ele carrega uma culpa profunda por eventos passados e, por isso, não confia em si mesmo como um líder viável. Todas as pessoas tão ávidas por justiça através do sangue ao redor dele apenas espelham o medo dele. Seja a mãe que teve o filho roubado (Octavia Spencer, esplêndida) ou o adolescente raivoso (Jamie Bell, sempre ótimo). Nos diálogos com o mentor, Giliam (John Hurt), Curtis percebe que ele é o único do grupo que possui a noção da maldade escondida na “busca por justiça”. Por isso mesmo ele talvez seja o único líder viável para o trem.
Muito ao estilo de Jogos Vorazes, Joon Ho retrata as diferenças sociais através da extravagância sem sentido dos ricos e da monocromia sem escolha dos pobres. Enquanto uns sofrem com fome para tentar arrumar energia para fazer qualquer coisa, outros usam e abusam até a autodestruição por não ter o que fazer no conforto. Um grande trabalho de direção de arte dá vida e cor em espaços apertados de vagões de trem. O mesmo pode ser dito da fotografia, que captura essas diferenças através das cores e luzes de cada ambiente.
Curtis e grupo em busca de justiça social. O cinza predomina.
Todos os diversos níveis de violência encontrados por Curtis e o séquito que o segue são importantes para a reviravolta final. E Joon Ho pode ser cruel com os personagens. Muitos dos que mais causam empatia morrem de forma dolorosa. Tudo, porém, é fundamental para a pequena mensagem de esperança que nasce deste caos. O fato de que os personagens que emolduram o take final são justamente dois dos quais nunca praticam atos violentos é indicador da mensagem do diretor.
Chris Evans já declarou publicamente que tem orgulho de poucos dos filmes que fez. Dentre os quais, sabe-se que Sunshine – Alerta Solar é um deles. É bem provável que este Expresso do Amanhã também entre na lista. Tem grande parte das mesmas temáticas e reflexões. Sem contar que se trata de um fenômeno raro em que um único filme entra na lista dos melhores de três anos consecutivos. De 2013, quando foi feito e lançado mundialmente; De 2014, quando foi lançado no maior número de países; E de 2015, quando finalmente será lançado no Brasil, último lugar do planeta na lista de lançamento de acordo com o IMDB.
FANTASTIC…
3 comentários em “Expresso do Amanhã”