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Conhecido como o hipster do cinema estadunidense, o diretor Wes Anderson lança uma nova obra nos cinemas com esta singela animação sobre os valores das vidas de animais de estimação e a relação deles com os humanos. Tudo recheado com os padrões que tornaram o cineasta famoso.
A história de Chief (voz de Bryan Cranston), um cão de rua que se vê obrigado pela matilha da qual faz parte a ajudar o garoto Atari (Koyu Rankin) a reencontrar o cachorro de estimação dele é contada com divisão de capítulos, um cuidado extraordinário para compor enquadramentos simétricos, músicas indies e discursos com pouco tom de emoção.
Como tem feito com muita eficiência ao longo da carreira, Anderson reutiliza os mesmos recursos para construir uma proposta completamente nova. Se em Moonrise Kingdom criou uma nostalgia pré-adolescente, e em O Grande Hotel Budapeste, uma comédia pastelão, aqui ele faz uma animação infantil com contornos extremamente adultos.
No contexto do filme, o Japão foi tomado por uma superpopulação de cachorros com uma tal de febre canina. Para lidar com os animais, o governo transporta todos da espécie para uma ilha de lixo. Mas Atari vai até o local para buscar por Spots (voz de Liev Schreiber).
Na busca, as inadequações de Chief vêm à tona. Revoltado contra as relações de subserviência dos cães com os humanos, ele se recusa a lidar com Atari. É muito parecido com outros protagonistas de Anderson que se ressentem com a figura paterna. O diretor constrói a relação dos dois como a de um pai e um filho que redescobrem um vínculo afetivo que foi desperdiçado até então.
O que Anderson faz de inovador na estética dele no novo filme é contrastar os modos de fala do inglês para o japonês ao fazer com que as interações dos cães (verdadeiros protagonistas da história) sejam na primeira língua, e a dos humanos, na segunda. Assim, os bípedes falam em vozes mais alteradas e carregadas de emoção, enquanto os quadrúpedes soltam as falas quase de forma mecânica (típica dos diálogos do diretor).
O que gera inúmeras cenas de humor inteligentes, como o momento em que os cachorros discutem que a próxima parada é um local tóxico e parecem estar tranquilos com a decisão. Enquanto os japoneses são, até certo ponto, excluídos da narrativa por se alterarem demais. O que, é claro, reflete as inúmeras problematizações do filme com apropriação da cultura japonesa.
Graças à técnica de animação em stop-motion (famosa por aqui como animação de massinha), Anderson pode acrescentar à história situações violentas que seriam extremas com atores reais. No estilo, fica caricatural e aceitável para menores. Especialmente quando os cachorros falam de forma tão fria.
A cena em que a matilha de Chief percebe que ele arrancou a orelha de outro cão se torna cômica pelo absurdo, e o choque da desconfiguração física criada pelo protagonista é relativizado.
Para o efeito dos diálogos pausados funcionar, Anderson convocou uma trupe de grandes atores veteranos para dar vida aos animais sem que eles deixem de ter emoções. É assim que Cranston consegue manter um leve tom de vergonha sempre que admite que morde. Da mesma forma, Edward Norton faz com que o controlado e democrático Rex perca o controle de vez em quando se contrariado por Chief.
Bill Murray revela os medos de Boss com rápidas engasgadas entre as palavras do cachorro. Jeff Goldblum se destaca ao emprestar o jeito rápido de falar para as trívias proferidas por Duke do começo ao fim do filme. Outro que chama a atenção é Schreiber, que dá segurança para o treinado Spots, sem esconder afeto nas observações dele.
Ilha dos Cachorros é o tipo de filme que apenas Anderson e a estética única dele é capaz de fazer. Apesar de limitado pela falta de expressividade dos bonecos (o que tira muita da emoção que o filme deveria carregar), é impossível para um fã dos bichinhos não se emocionar com as relações e os esforços dos personagens que também amam esse convívio entre as espécies.