Poucos diretores têm a capacidade de fazer ação com violência extrema sem deixar de ser divertido. Atualmente, os três que vêm à cabeça com facilidade são o Quentin Tarantino, o Edgar Wright e o Matthew Vaughn, que dirigiu o primeiro Kingsman e agora, esta continuação.
Depois de assumir o posto de agente Galahad, Eggsy (Taron Egerton) é confrontado pelo antigo rival de treino para entrar na Kingsman, Charlie (Edward Holcroft), sem saber que o inimigo trabalha para a maior traficante de drogas do mundo, Poppy (Julianne Moore). Ela tem um plano de controle global que vai destruir a agência e deixar Eggsy e Merlin (Mark Strong) sem apoio.
Vaughn busca fazer mais do mesmo do filme original, o que é ótimo. O que parecia uma homenagem divertida ao que o 007 representa para a cultura inglesa se revelou também um dos filmes mais inteligentes dos últimos anos. Então há mais de tudo: violência estilizada, sátira a preconceitos e discussões sociais sem maniqueísmo. Isso, é claro, repetindo as mesmas fórmulas do primeiro.
Alguém lembra dessa cena que satiriza preconceitos do primeiro filme?
O roteiro, escrito mais uma vez pela Jane Goldman e pelo próprio Vaughn, cria outra vilã com consciência social que resolve levar as soluções a níveis radicais. Desta vez, sai a vontade de impedir o aquecimento global e a história é tomada por discursos sobre a hipocrisia de políticas relacionadas a drogas.
Mesmo que seja a vilã quem aponte esses problemas com falas como “o açúcar vicia cinco vezes mais que a cocaína”, essa visão não é considerada como algo errado pela narrativa. Muito pelo contrário, os heróis do filme chegam a concordar com ela. A discordância ocorre pelo método escolhido. Vaughn e Goldman querem propor uma discussão, e não apontar quem está certo ou errado.
Dessa trama, também é repetida a ironia com a presidência americana. Se no primeiro havia sarcasmo com o Obama, neste é ainda mais forte (e bem vindo) contra o Donald Trump e as soluções fatalistas dos Estados Unidos. O país também ganha outra ironia na versão americana da Kingsman, a agência secreta Statesman. Se os britânicos e os modos deles são piadas no anterior, os americanos e o jeito dos vaqueiros sulistas é o alvo da zombaria.
É engraçado justamente porque o filme não se leva a sério, com direito a cenas em que os personagens comentam os exageros estéticos da produção. Isso ocorre quando, por exemplo, os americanos falam sobre a necessidade de beber e como têm origens com um pé na criminalidade e no vício em drogas. Daí surgem coisas como cuspes no chão de praticamente todos os agentes da Statesman.
Outro excelente exemplo desse exagero é no esconderijo de Poppy, que é fascinada com a década de 1950 nos Estados Unidos. É ridículo, mas serve para que a realidade da produção não pareça verossímil. Isso ajuda na estilização e no humor, mas principalmente na violência.
Logo na abertura, um homem é morto em um moedor de carne. O que é algo cruel, visceral e assustador gera risada porque ele é colocado em um aparelho com visual vintage e metade do corpo fica de fora com as pernas abertas, em uma posição ridícula e impossível. A falsidade em meio a algo tão pesado faz com que seja inesperado e engraçado.
Incomoda apenas a fragilidade do plano da vilã, que nunca parece uma ameaça verdadeira; também a necessidade de fazer com que um certo personagem retorne, o que diminui o medo de que os protagonistas possam morrer; e a falta de uma cena tão impactante quanto o extraordinário horror na igreja do primeiro longa.
Quando um dos maiores defeitos do filme é não ter uma das cenas mais inteligentes do cinema recente, é porque a qualidade é grande. Mantém o discurso inteligente, a ação estilizada e divertida e o tom de sátira com o material que homenageia. Não é tão bom quanto o primeiro Kingsman, mas convenhamos, quantas produções conseguem chegar perto daquilo?