Como um bom entendido de produção audiovisual, assisti Mil Vezes Boa Noite me encolhendo de agonia diversas vezes. Não por conta do teor panfletário de guerra do filme, mas por causa das cenas em que se vê câmeras Canon 5D sendo maltratadas. Brincadeiras à parte, o filme propõe uma reflexão acerca de fotojornalismo de guerra que é muito poderosa e importante nos dias de hoje.
Uma das melhores fotógrafas de zonas de conflito do mundo, Rebecca (Binoche) quase morre durante um atentado terrorista que cobria. De volta para casa durante sua recuperação, ela recebe do marido, Marcus (Coster-Waldau), um ultimato. Ou abandona a profissão, ou se divorcia. Ela então precisa pesar a responsabilidade de expor para o mundo os horrores de locais em conflitos e a importância das pessoas que amam em sua vida.
Marcus com Rebecca. Ultimato decisivo.
Essa é uma questão muito interessante porque Rebecca tem dois níveis de responsabilidades em suas mãos. O macro, no qual ela ajuda a melhorar o mundo através de suas fotografias, e o micro, no qual ela sempre abandona a família preocupada enquanto arrisca a vida em terras distantes.
O diretor e roteirista Erik Poppe constrói a história ao redor dos diálogos e situações entre Rebecca e a família. Mais especificamente com o esposo e com a filha mais velha, Steph. Nota-se a dor dos familiares de estar sempre com raiva da mãe por se colocar constantemente em perigo e também o cuidado para não reclamarem. Ao mesmo tempo em que Rebecca começa a considerar seguir o pedido do marido, Steph começa a se interessar pelo seu trabalho. Muitos conflitos surgem disso. À medida em que explica para a filha o que já fez, mais fica claro que é importante e precisa continuar sendo feito. Ao mesmo tempo, a filha é justamente um dos motivos principais pelos quais Rebecca precisa parar de se arriscar.
Rebecca com a filha Steph. Motivo para parar e para continuar.
Poppe usa da direção de arte para demonstrar os caminhos que Rebecca pode seguir. Quanto mais próxima fica da família, mais usa cores azuis, que são o padrão da casa. Quanto mais se aproxima do trabalho, mais tende para o preto do luto. Usa de cortes que sobrepõem a imagem de Rebecca próxima da morte ou da perda da família com uma espécie de suspensão espiritual em uma alegoria filmada em água. E meio a isso, a fotografia é linda, cheia de pessoas escondidas na escuridão em seus momentos de retidão e sofrimento pessoal. Poppe também usa de planos minimalistas para contar a história. Closes detalhes com baixa profundidade de foco que criam a sensação de claustrofobia e isolamento de Rebecca quando está em casa e em terras familiares. Quando ela está fotografando em zonas de conflito, os planos são mais abertos revelando o conforto dela em tais situações.
O filme vai até os locais reais onde conflitos e refugiados existem para tirar suas fotografias e revelar o mundo de perigo em regiões distantes. As fotos usadas na produção são lindas e chocantes e diversos dos enquadramentos poderiam ser congelados para se tornarem eles mesmo imagens dignas de serem exibidas por fotógrafos reais que fazem o trabalho de Rebecca.
A Juliette Binoche é a Juliette Binoche. Boas interpretações são pleonasmo para a renomada atriz. Se ela está no filme, ela está atuando bem. O Nicolaj Coster-Waldau está cada vez se revelando um ator melhor com papéis mais distantes da série Game of Thrones, que o tornou famoso. Vale destacar a jovem atriz Lauryn Canny, que interpreta Steph. Raras vezes se vê uma pessoa tão nova passar por interpretações tão densas e complexas sem comprometer o filme de maneira alguma.
Mil Vezes Boa Noite é um filme denso que deixa um gosto amargo. É sobre pessoas que sacrificam muito de quem são para um bem maior. É cruel perceber que os próprios espectadores são pessoas que fingem não conhecer essas pessoas para conseguir manter a sanidade da vida em paz longe dos conflitos que causam tanto sofrimentos pelo mundo.
GERÔNIMOOOOOO…
“Mil vezes boa noite” é excelente e esse é o melhor texto sobre o filme que li!!
Muito obrigado, Juli!