Hollywood é tão cheia de diretores de aluguel que a existência de um Jon Favreau é surpreendente. Saber que ele começou como comediante (de vez em quando ele ainda faz uma ponta aqui ou ali em filmes de amigos) é chocante quando se nota a sensibilidade de um realizador capaz e inteligente no diretor. Ainda mais quando adaptações de desenhos clássicos da Disney têm virado filmes questionáveis e ele solta esta versão de Mogli: O Menino Lobo.
A história permanece a mesma. Garoto é criado por matilha de lobos nas florestas da Índia e precisa retornar para a vila dos homens quando o tigre Shere Khan (voz do Idris Elba) descobre a existência dele. Jurado de morte, Mogli (Neel Sethi) cruza a floresta e vive aventuras ao mesmo tempo em que busca soluções para não ter que se afastar da família que o criou.
A origem para a história clássica é a mesma, o famoso O Livro da Selva, do autor Rudyard Kipling. Nele, Mogli é protagonista de oito entre quinze contos que se passam na mata. O desenho de 1967 é um dos grandes clássicos da Disney, mesmo que seja episódico. Essa jornada do garoto pela floresta pausa constantemente para que ele encontre a cobra, o macaco, o urso. E Favreu tinha como missão fazer a versão com atores e liberdade total de criação.
Eis a primeira surpresa. Mogli: O Menino Lobo é um filme com uma trama coesa que não parece episódica. O menino ainda passa por jornadas contadas quase em capítulos, mas todas elas têm a mesma discussão, o valor da diferença de Mogli em relação aos outros animais da floresta. Como humano, ele não tem a força, a agilidade e os instintos. O questionamento é uma analogia para a autoaceitação. Não é porque Mogli é diferente que ele não é útil. É justamente isso que faz ele ser válido.
Para costurar os episódios, Favreau diminui algumas participações, como a serpente Kaa (voz da Scarlett Johansson). Outras, ganham mais destaque, como a família de lobos. Em especial a mãe adotiva de Mogli, a loba Raksha (voz da Lupita Nyong’o). Isso faz com que a ameaça do tigre, que o peso da jornada do menino e que as relações sejam mais fortes.
A segunda surpresa é a verossimilhança do filme. Afinal, Mogli é sobre um moleque com uma porrada de animais. Como fazer isso? A solução é colocar um menino em um enorme estúdio verde e fazer todo o resto em computação gráfica. Só de pensar nisso já é possível pensar que vai dar errado, mas o universo do filme parece real. É assustador. Desde a floresta, o céu e os animais até a interação deles com o garoto, que é a terceira surpresa.
Neel Sethi não apenas interpreta bem, como parece estar em diálogo real com panteras e ursos. Ele é parte fundamental da credibilidade do mundo digital ao redor dele. Isso tudo além do básico, que é demonstrar bem o conflito de Mogli. Ele precisa se mudar ao mesmo tempo em que não quer se afastar da família, e o ator-mirim faz com maestria.
Favreau usa uma estética similar à do desenho original. Os cenários são semelhantes, o céu é semelhante. Até as cores e iluminações são semelhantes. Ele acrescenta muito dos rostos dos atores que fazem as vozes dos animais nos bichos digitais. Tanto que o Balu tem o rosto do Bill Murray. Dá pra dizer que é o filme recente com um personagem do ator que mais se parece com o estilo Murray. O intérprete ainda canta a clássica canção Somente o Necessário em um momento realmente encantador.
A qualidade dos dubladores vem também do Idris Elba, que usa a imponência da voz para fazer com que Shere Khan ressoe em cada sílaba de ameaça que diz, e do Christopher Walken, maravilhoso como o macaco gigante rei Louie. Walken mistura um maneirismo de mafiosos italianos de Nova Iorque com o primata psicótico.
A versão de filme de Mogli é surpreendentemente divertida, gostosa, bem feita e envolvente. Na época de lançamento parecia apenas um bom arrasa quarteirão. Em revisão do péssimo período de lançamentos hollywoodianos de orçamentos inflados do ano, trata-se de um dos melhores filmes pipocas de 2016 até o momento.
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