O Homem Duplicado é uma adaptação de uma obra do José Saramago. Essa é a dica necessária para que o espectador não se deixe enganar nem pela história do filme, nem pela presença de um grande nome de Hollywood. Como em Ensaio Sobre a Cegueira, a história é a parte menos importante da produção.
Professor de história (Gyllenhall) recebe a dica de um filme. Quando o assiste, descobre que um dos figurantes é idêntico a ele em todos os sentidos, aparência, voz e até marcas adquiridas através da vida, como uma cicatriz na barriga.
Parece um início de um bom suspense de ficção-científica ou de um drama familiar complexo. Mas o filme é metafísica pura. Tal qual a barata de A Metamorfose, a dupla identidade de Gyllenhall é uma metáfora para uma insatisfação. Por isso mesmo, a nova produção encabeçada por Denis Villeneuve irá decepcionar muita gente.
O diretor canadense faz uma intrincada analogia com aranhas e mulheres. Os dois personagens principais vivem tendo sonhos e vislumbres de aranhas através da produção. Para isso, Villeneuve utiliza de efeitos especiais realistas para substituir uma cabeça humana pela de um aracnídeo ou para colocar uma aranha gigante andando pela cidade. Além dos efeitos especiais, os seres de oito patas são representados sutilmente em diversas cenas, como nas teias na gravata de um ator, nos planos em que os prédios são filmados de baixo para cima e os cabos de eletricidade se cruzam no meio das imagens ou no vidro estilhaçado de um carro após um acidente. A impressão que passa é a de que toda a trama foi tecida por uma aranha.
Esposa investiga a existência de duplo do marido.
A belíssima fotografia dá um tom amarelado constante. Parece que algum tipo de poluição tomou conta da película. Às vezes, quando muda de personagem, o tom fica esverdeado. Alguns cortes mudam de personagem propositadamente querendo confundir qual dos dois está em cena. Um entra em um banheiro com um telefone, muda de ângulo e o outro sai de outro banheiro com um telefone. Um começa a ter um sonho com aranhas, o outro vê uma aranha durante um show que assiste. Às vezes o professor de história parece estar sonhando com a vida do ator. Às vezes o ator parece estar ensaiando uma cena em que interpretará o professor. As mulheres que os acompanham são semelhantes e, não fosse o fato de terem os rostos reconhecíveis de produções anteriores, seriam fáceis de confundir.
O motivo pelo qual Villeneuve faz isso é para abrir espaço para diversas análises diferentes. Cada espectador vai ter uma visão diferente dos eventos do filme. Os personagens estão sonhando? Um está inventando ou fantasiando a vida do outro? Eles são personalidades diferentes de uma mesma pessoa? Sempre haverão cenas que sustentarão qualquer uma dessas hipóteses e cenas que as negam.
Parece complexo, mas é um estilo de cinema do qual sou muito fã. O filme é sobre análise de filmes. É uma resposta sobre quem é cada espectador mais do que uma pergunta sobre si mesmo. Ao mesmo tempo, é uma analogia óbvia. Os dois homens iguais são representações das dualidades das pessoas nos dias atuais. Todo mundo tem momentos em que precisa ser discreto e tímido e momentos em que precisa ser mais impositivo. Todo mundo vê nos companheiros pessoas diferentes, às vezes um caso tórrido, às vezes um companheiro íntimo.
Uma das versões de Gyllenhall descobre a vida pessoal do outro.
O filme lembrou bastante obras clássicas como Profissão Repórter, O Ano Passado e Marienbad e principalmente Persona (no Brasil o título é Quando Duas Mulheres Pecam). Profissão Repórter tem o diálogo extraordinário em que um personagem responde a um jornalista dizendo que a pergunta diz mais sobre o questionador que sobre o questionado. O Ano Passado em Marienbad é feito com a intenção de ser um filme completamente diferente para cada espectador. E Persona também trata de duas personagens que se confundem e podem ser analogias de personalidades diferentes. Sem contar que tanto Persona quanto O Homem Duplicado possuem aranhas não explicadas entre suas imagens.
Os três atores principais estão ótimos. Gyllenhall faz um bom trabalho em fazer dois homens diferentes. É possível dizer qual dos dois está em cena apenas pela forma como ele está interpretando. A Mélanie Laurent faz a namorada fortemente sexual do professor enquanto a Sarah Gadon (nunca a vi antes, mas fiquei hipnotizado pela moça) é a doce e próxima esposa do ator. Há ainda uma rápida participação especial da Isabella Rossellini, que certamente foi chamada para representar alguma coisa.
Infelizmente, O Homem Duplicado é um tipo de filme que não ganha mais tanto reconhecimento quanto merece nos dias de hoje. Uma obra que demonstra o quanto Denis Villeneuve é um dos grandes diretores atuais. É um prazer sair do cinema com vontade de conversar sobre as perspectivas do que o filme quis dizer. Ao fazê-lo, senti muito mais proximidade com minha namorada.
GERÔNIMOOOOOOOOO…
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