Uma das carreiras mais interessantes de se estudar é a do irlandês Liam Neeson, que começou como um grande ator de dramas como A Lista de Schindler, e, na casa dos 50 anos, aprendeu artes marciais para uma ponta em um filme. O que serviu para a reviravolta na carreira próximo da terceira idade como herói de filmes de ação.
Aqui, ele retoma a parceria com o diretor espanhol Jaume Collet-Serra, que adora fazer suspenses com premissas simples. O protagonista, Michael MacCauley, é demitido do emprego de vendedor de seguros com cinco anos para se aposentar e vários problemas financeiros. No trem de volta para casa, uma estranha que se apresenta apenas como Joanna (Vera Farmiga) oferece 100 mil reais para que ele identifique um passageiro que vai descer na última parada e que tem uma mala com algo errado.
Assim como nos últimos sucessos de Collet-Serra, MacCauley tem uma habilidade secreta que permite a ele completar os desafios apresentados. Ele é um ex-policial que largou o serviço para conseguir um emprego que garantiria mais segurança financeira. Desta forma, ele tem os meios para responder às perguntas fundamentais da proposta de Joanna: quem é a pessoa, o que ela tem na mala, por que ela é procurada e o que vai acontecer com ela?
Se Neeson é um caso interessante de ator, Collet-Serra é um diretor com uma carreira que merece ser acompanhada. Depois de um começo problemático com remakes, continuações e produções mambembes, ele se descobriu com essas tramas que o assemelham ao mestre Hitcock. Obviamente, com uma fração do talento. O que não significa que ele é ruim na direção.
Com apenas um cenário e um grupo de atores, ele comanda uma investigação do estilo quem matou. Estrutura dominada por personagens como o Sherlock Holmes e por autores como a Agatha Christie. Com a novidade de que o espectador, e o protagonista, sabe quem é o vilão desde o começo, mas a dúvida se encontra em quem é a possível vítima.
E para garantir que o espaço sempre apareça diferente, o diretor usa de truques usados por inúmeros mestres. Enquanto MacCauley apura pelos bilhetes quem vai descer na estação certa, a câmera atravessa os buracos nas passagens dos passageiros como David Fincher fez em Quarto do Pânico. Quando o protagonista percebe que é uma situação de vida ou morte, um dolly zoom retrata a sensação de pequenez diante da tarefa à frente, como Hitchcock fez em Um Corpo que Cai.
O ritmo ganha força com a velocidade das ações por meio dessa estética de Collet-Serra. Mas o que garante a aceleração é o roteiro escrito a seis mãos. Os atos da trama começam devagar, quando MacCauley investiga os passageiros. Aos poucos, o nível dos perigos e da ação aumenta para chegar ao clímax cheio de violência e de contextos que poderiam ser lidos como “mentirosos”. Como o escopo aumentou gradualmente, o espectador aceita melhor os exageros que começam a acontecer no fim.
Também é possível notar que os roteiristas estudaram detalhes de viagens de trem para compor as reviravoltas da história. Desde os diferentes tipos de passagens e usos das mesmas, até detalhes técnicos, como o funcionamento de ar-condicionado, que se mostra importante para algumas partes.
Por outro lado, como em todos os filmes de Collet-Serra, o texto é repleto de inconsistências. Especialmente na construção dos personagens. MacCauley aceita o dinheiro da proposta feliz por poder ajudar em casa sem pensar no perigo que vai criar para os outros. Próximo do fim da produção, porém, ele vira um santo, que o roteiro ingenuamente repete inúmeras vezes ser um herói.
A aclamação do estereótipo, somada ao fim forçado, gera uma sensação mais incômoda do que os exageros de ação que ocorrem. Em grande parte por que a ação diverte, e a positividade estapafúrdia apenas parece fim de desenhos animados para a televisão.
É difícil entender a participação de alguns atores aqui. Neeson entrega o melhor de si, como sempre, e dá peso e profundidade para o protagonista amargo. Mas atores de grande talento como Vera Farmiga, Patrick Wilson e Sam Neill em pontas rápidas e sem profundidade não deixam de causar vergonha. Todos eles merecem papéis melhores.
O Passageiro deixa dois gostos distintos na boca do espectador quando chega ao fim. No fundo, aquela sensação de um filme sem profundidade e cheio de buracos na história feito apenas para entreter. Mas se sobressai a lembrança de um suspense rápido que diverte bem. O que, diga-se de passagem, não é e nem deveria ser considerado um defeito.