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Os Miseráveis

Les Misérables 01
Tenho uma relação de amor e ódio com musicais. Adoro os filmes, mas odeio como as pessoas que os fazem não percebem as besteiras de suas obras. Do meu ponto de vista, existem três níveis de músicais. O musical normal, o musical megalomaníaco e o “musical”. Infelizmente, Os Miseráveis se encaixa na segunda categoria.

O primeiro take do filme mostra uma bandeira da França à deriva em alto mar. Revela de cara, é um filme sobre a decadência daquele país. Fui assisti-lo sem ter visto nenhuma das versões anteriores nem ter lido o livro. Então esse primeiro take foi bem representativo para mim. Uma introdução visual ao tema do filme.
O plano continua atravessando a bandeira, subindo por trás de um navio tombado, passando por cima do mesmo, revelando uma costa com centenas de homens puxando a embarcação na mão com o uso de cordas, a câmera desce e fecha em um close no rosto de Jean Valjean. Mistura computação gráfica, cenários grandiosos e inúmeros figurantes. Ao mesmo tempo começa a música prólogo, Look Down, cantada pelos personagens nas cordas. É sobre aprisionamento e desesperança. Um homem isolado fala sobre deus, os outros respondem que deus não olha para eles. Outro homem fala sobre a esposa esperando por ele lá fora, os outros dizem que todos foram esquecidos por todas as suas mulheres.
A escala é enorme. A direção de arte é gigantesca. Acaba a cena e Javert, o carcereiro daqueles homens pede a Valjean que levante um mastro caído do navio. O prisioneiro levanta o mastro e o arrasta uns cinco metros. Depois Javert lhe entrega um documento que concede ao homem a liberdade e os dois discutem o status de Valjean. De acordo com o homem da lei, o prisioneiro será sempre um homem perigoso e violento, que em breve cometerá outro crime e deverá voltar para o encarceramento. E o documento que carrega é apenas um atestado desse status. O problema é que tudo isso é cantado.
Todo pequeno diálogo, mesmo o menor e mais distante dos número musicais é cantado. Das duas horas e meia de filme, provavelmente existem umas três falas ditas sem canto. E isso cansa demais. São uns cinco temas musicais se repetindo à exaustão, mudando apenas as letras por duas horas e meia. Disso decorrem mil e uma cenas desnecessárias.
Acompanhamos a personagem Fantine, uma tempestade de emoções da Anne Hathaway, caindo de um emprego difícil até a mutilação, prostituição e doença na sarjeta. Depois de toda essa desgraça, somos forçados a ver um solo da atriz de quase cinco minutos falando sobre como está triste e sem esperança alguma. Não precisa disso, deu pra ver através dos quinze minutos anteriores que ela tá na merda. O solo é arrebatador, a música é linda, Hathaway entrega uma emoção dilaceradora. Mas ainda são cinco minutos de repetição.
É interessante que mesmo dentro de toda aquela grandiosidade, Tom Hooper decide filmar cenas como esse solo com um close-up dos atores e foco com muita profundidade. Assim só vemos os rostos gigantes dos intérpretes na tela durante os cantos. Valoriza as interpretações. O que é uma grande qualidade, considerando que o grande forte do filme são as atuações.
Se Hathaway é um furacão de sensibilidade, Russell Crowe faz seu Javert com muita eficiência, considerando suas limitações vocais. Mas o filme tem um dono e seu nome é Hugh Jackman. Sou suspeito, pois admito que Jackman é meu ator favorito. Mas o filme é de seu Valjean, sua jornada ao fundo do desespero e vergonha e a vida dedicada à reparação contra sua culpa. É um personagem impressionante carregado por um ator brilhante com uma interpretação linda. Todo o resto do elenco é bobagem perto desses três. Principalmente as participações ridículas da Helena Bonham-Carter e do Sasha Baron Cohen, com seu alívio cômico fora de lugar.
Se o livro clássico do Victor Hugo é um retrato da França terrível de sua época, o filme é valioso por ser um retrato da jornada de Valjean. O prisioneiro 24601 é o grande foco e é o acerto maior do filme.
A primeira hora segue uma linha lógica de eventos, com Valjean saindo da prisão, cometendo o ato que vai ser a maior vergonha de sua vida, descobrindo o tamanho de seu erro e triunfando acima dele. Mais tarde, ele acaba deixando de ajudar uma pessoa por um descuido, sempre perseguido pelo fantasma da prisão na forma de Javert. A trama chega a um clímax daí e de repente surge um salto de tempo. Essa primeira parte do filme é linda. O roteiro é coeso, as histórias são emocionantes e até os solos desnecessários funcionam.

Elenco principal reunido com o diretor. Muito barulho por nada.
Elenco principal reunido com o diretor. Muito barulho por quase nada.

Mas nove anos depois vemos as conseguências desse clímax. Com a história de amor entre dois jovens. Amor impossibilitado porque o pai dela é um fugitivo da lei e ele é um revoltoso contra o governo. Esse trecho faz sentido no contexto histórico. Provavelmente na crítica que o livro faz o trecho tenha lógica. No filme é uma hora e meia de enrolação, com músicas incoerentes. Um personagem canta sobre uma coisa aqui, ali canta o contrário. Não faz sentido.
A grandiloquência do filme perde o sentido. Então tudo leva ao final da disputa de Valjean contra Javert. A grande mensagem da história é passada e o filme termina…
Quem dera.
O filme se alonga por muito tempo com um monte de músicas repetitivas, com um final atrás do outro. Lembra o final interminável de O Retorno do Rei. Não acaba nunca. Uma sequência de músicas apelativas, feitas pra tentar fazer o espectador chorar gratuitamente. E teve gente na sala em que assisti chorando muito.
Então, depois de todos os finais, começa outro número músical megalomaníaco com o tema da revolução e todos os atores cantando juntos no meio das ruas de Paris num palco gigante visivelmente falso.
Vale pela história do personagem principal, que me tocou profundamente, e pelas interpretações dos três atores principais. De resto, uma bola de ganância e futilidade.
P.S.: Vale a pena ficar de olho na estreante Samantha Barks. Ela é linda e é um dos poucos destaques da parte chata do filme.
Samantha Barks em sua grande cena. Estamos de olho.
Samantha Barks em sua grande cena. Estamos de olho.

 
GERÔNIMOOOOO…

1 comentário em “Os Miseráveis

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