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Um Santo Vizinho é lançado nesta época porque concorreu ao prêmio de melhor comédia ou musical no último Globo de Ouro. Ficou de fora na corrida pelo Oscar por conta de outros concorrentes de maior calibre. Não era para menos. Trata-se de uma comédia sobre família substituta. Porém, o filme também é um daqueles casos clássicos de obras que revelam porque certas fórmulas se tornaram clichês.
Vincent (Murray) é um idoso que vive sem dinheiro, com dívidas para agiotas e bancos. O tanto de dinheiro que consegue vem de pequenas falcatruas. Maggie (McCarthy) se muda com o filho, Oliver (Lieberher), para a casa ao lado. Como ela passa por um divórcio complicado, precisa trabalhar o dia inteiro, então faz um acordo com Vincent. Ela o pagará para vigiar Oliver enquanto ele não estiver na escola. Vincent vai se tornar uma nova figura paterna para o menino e este o fará abrir os olhos para certos valores da vida. Mais uma história de pessoas perdidas e solitárias que crescem com a companhia um do outro.
Vincent ensina a Oliver autodefesa.
Depois de construir sua carreira como produtor e como diretor/roteirista de poucos curtas, Theodore Melfi aparece com esta dramédia complexa. O roteiro precisa equilibrar a ironia constante do mundo podre em que os personagens vivem e os dramas pessoais que surgem disso. Vincent recebe a notícia de que está com saldo negativo no banco e por isso não pode fechar a conta. Ele aparenta desespero, mas a singeleza com que apenas fecha os olhos, perde o equilíbrio e bate com a cabeça no vidro do caixa mistura bem o que é a tragédia dele e como esta o transforma em um alvo óbvio de humor. O mesmo se dá com todos os outros personagens. O menino sofre de bullying na escola e trata a rotina de abuso com sarcasmo. A mãe passa por um processo contra o ex-esposo pela guarda de Oliver. Ela foi traída por ele, mas ele tem mais condições de sustentar uma criança. O texto, somado ao trabalho dos atores, resulta naquele humor de quem ri para não chorar. E o espectador ri junto, mesmo que se compadeça das mazelas que são apresentadas.
Melfi coloca câmeras estáticas, que apenas mostram essas pessoas durante a rotina. Longos takes revelam rostos de pessoas que tem preocupações constantes enquanto apenas encaram os desenvolvimentos dos problemas. A indiferença de Vincent enquanto vê o galho de uma árvore cair em cima de seu carro retrata o nível de problemas em que ele se encontra e a reação em seguida indica que ele sempre raciocina como tirar vantagem de tudo o que acontece. Com a fotografia naturalista, o mundo inteiro parece cruel, sujo, real e terrível. Essa crueza permite à mensagem final ser mais significativa. A vida é problemática, complicada e difícil. As pessoas também ficam assim com o tempo, mas até os mais endurecidos possuem uma camada de beleza interior.
Essa é a graça de Um Santo Vizinho. Oliver vai perceber rapidamente que Vincent não é confiável e pode muito bem ser uma pessoa que vai magoá-lo. Ainda assim, o menino não pode evitar perceber as pequenas pistas da bondade dele. A cena em que essa reflexão chega ao ápice não tem nada de novo e original, mas é tão bem construída e bem feita que a emoção é sincera.
Oliver com a mãe e a nova amiga prostituta russa grávida. Humor da tragédia.
Bill Murray é fundamental para que a proposta funcione. Se parte do que faz com que a ironia dê certo é o texto, o olhar de incredulidade estática do ator e o desdém constante na voz dá conta do resto. Melissa McCarthy deixa o estilo debochado de sua carreira recente para retomar o olhar cândido que fez sucesso durante o período em que trabalhou na série Gilmore Girls. Quando perguntam se está bem, o rosto da atriz responde a verdade enquanto ela mente sobre como estar com o filho sem ter tempo para vê-lo é maravilhoso. O menino Jaeden Lieberher é adorável e consegue manter o nível de sarcasmo silencioso e sério dos colegas de elenco mais velhos. A surpresa é a participação da Naomi Watts como uma prostituta russa que tenta manter o trabalho como stripper e amante paga mesmo que esteja grávida. A imagem da mulher com dificuldades para encurvar em um palco de striptease por conta da barriga inchada é engraçada e patética, assim como tudo no resto da produção.
Uma tragicomédia que não apresenta nada de novo, mas que é adorável como muitas obras originais não conseguem ser. Se algo vira clichê, é porque funcionou muito bem uma vez e outras pessoas começaram a imitar. O problema é que, na repetição, o clichê perde o valor de qualidade original. Mas, de vez em quando, coisas como Um Santo Vizinho aparecem e relembram porque aquilo já foi bom um dia.
ALLONS-YYYYYYYYY…
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