Se tem algo bom na popularidade e no aclamar de Moonlight, é que ele é um exemplo de como o cinema, e as artes como um todo, abraçam e aceitam cada vez mais a diversidade. Uma obra sobre a construção da identidade de um homem gay negro certamente chama a atenção num oceano de produções heteronormativas e com protagonistas brancos.
Especialmente quando outro filme muito parecido fez tanto sucesso quanto apenas três anos antes. Moonlight e Boyhood têm em comum o fato de que tratam do amadurecimento progressivo de um garoto em homem. Se naquele foi feito ao mostrar ano a ano da vida do ator, aqui, gerações diferentes interpretam Chiron (Alex Hibbert na infância, Ashton Sanders na adolescência e Trevante Rhodes como adulto) à medida em que ele é confrontado com as origens, com a sexualidade e com as relações sociais.
Porém, existe diferença no ambiente em que Chiron vive e quem ele é. A comunidade negra de Miami do fim dos anos 1990 até os tempos atuais é repleta de preconceito tanto contra as pessoas que vivem ali pela cor da pele, quanto deles com homossexuais. Ainda mais em meios com muito tráfico de drogas e pessoas viciadas. A vida é dura e tem reflexos ainda mais negativas para jovens gays e inseguros.
É onde o diretor e roteirista Barry Jenkins acerta na forma como aborda esse tema. Apesar do meio violento em que Chiron vive com tantas condições melancólicas, as situações são tratadas com sensibilidade. Quando criança, ele cativa o traficante Juan (Mahershala Ali) devido à vulnerabilidade em que se encontra. Apesar de ter uma figura paterna na forma de um bandido e a mãe, Paula (Naomie Harris), viciada no crack que ele vende, ninguém é um vilão, mesmo que tenham repercussão tão negativas em Chiron.
Não há um momento em que o menino, o adolescente ou o adulto aponta o dedo para quem fez mal a ele. Todo mundo apenas sente profundamente, o que tem duas consequências para o filme. Ele é extremamente melodramático sem tentar forçar lágrimas gratuitas e também é sincero. Muito da culpa não é exposta em diálogos, brigas e gritos, mas nos rostos dos atores.
Ao mesmo tempo, o roteiro é dividido em três atos: infância, adolescência e vida adulta. No fim de cada, há um confronto de Chiron com alguma figura masculina que o influencia. Apenas no terceiro ato, o confronto é feito com atitude positiva, o que demonstra a evolução tanto da narrativa quanto do personagem.
O melhor exemplo é o momento em que Chiron criança chega à conclusão que o homem a quem confia como pai é um dos responsáveis por fazer com que a mãe seja ausente, o magoe e fique constantemente doente. Ele compreende, Juan percebe que tornou a vida dele ainda pior e os dois atores demonstram um pesar tão forte que é arrebatador.
Outro motivo para isso funcionar tão bem é a forma como Jenkins escolhe filmar a história, com a câmera afastada, quase escondida. Como se estivesse percebendo a história em segredo, sem que os personagens descubra os espectadores, que sentem com se estivessem espionando essa pequena passagem de tempo.
A câmera permite muita entrada de luz e quase estoura a iluminação, o que torna as imagens vibrantes com o cores fortes e saturadas que refletem na luz dos atores. É tudo parte da analogia com o título, no qual se fala que pessoas negras ficam azuis sob o luar. Chiron, assim como os coadjuvantes, mudam de tons com a escolha de iluminação, que expressa os dramas com coloração forte. A mãe de Chiron se droga em ambiente roxo (classicamente, cor do luto e da morte), em situações de conflito, o azul fica reaçado e o amarelo tende a representar segurança. Mas o conflito não é negativo, é um passo para evolução pessoal.
Todos os atores representam a sutileza dos personagens com muita eficiência. Mas o destaque vai para Ali, que faz com que Juan seja um respiro na tela. Ele não parece recorrer a estratégias para realçar a interpretação. O olhar de pesar e preocupação com Chiron é de partir o coração.
Moonlight é um dos poucos filmes em que é impossível encontrar um único ator branco na tela durante a projeção, e justamente por isso chamou mais a atenção. Apesar da novidade ser bem vinda, ser diferente por isso é triste, quando o ideal seria ver filmes com negros como normalidade. Felizmente, não é por ser mais diversificado que ele é bom. É pela qualidade fílmica.
2 comentários em “Moonlight: Sob a Luz do Luar (Moonlight – 2016)”