Sempre que uma realização brasileira participa de uma celebração de grande visibilidade ela vira fonte de discussão e conversas. Esta animação já chamava a atenção muito antes de ser um dos concorrentes ao Oscar de melhor animação contra Como Treinar o seu Dragão 2, Anomalisa, Divertida Mente, Shaun – O Carneiro e As Memórias de Marnie. É difícil dizer se foi uma injustiça não ter ganhado o prêmio, porque os concorrentes eram ótimos, mas O Menino e o Mundo é uma pérola que merece ser assistida.
A história, se é que se pode chamar de história, acompanha uma jornada de um garoto assustado por se perder dos pais. O grande diferencial aqui é a subjetividade das possíveis leituras dessa narrativa. Em especial porque é difícil dizer o que acontece no filme apenas ao prestar atenção nos eventos. Existe uma estranheza na falta de explicação dos detalhes da produção, mas ela é proposital para criar leituras individuais. Como em muitos filmes maravilhosos e em alguns péssimos, O Menino e o Mundo é uma animação diferente para cada espectador.
Beira a videoarte, mas ainda há sentidos óbvios que dão liga para a produção. É possível compreender detalhes de cada passo da jornada do menino. Ele não tem nome porque o filme é mudo. Não há falas além de leves gemidos e suspiros. Mas além da falta de palavras que explicam, a beleza das imagens que enchem a tela com cores ditam qual o sentimento dos momentos.
O filme abre com uma cornucópia de cores em formas geométricas para depois revelar que elas estão escondidas por baixo de um mundo idílico de alegria em que o menino vive. Com uma casa simples e a companhia dos pais, as cores e os visuais são ricos e quentes para refletir a vida da criança. Quando as complicações da vida relacionadas com as responsabilidades de ser adulto recaem sobre eles, tudo começa a ruir. Em grande parte por meio de clichês óbvios, como os males da vida urbana e os benefícios de viver de forma simples.
Não que a preservação da natureza seja errada e a industrialização fosse correta, mas tentar revelar a vida urbana como o grande mal da humanidade e um retorno à selva como a verdade para a paz e a alegria é tão inocente como presunçoso. Essas questões fazem com que a demora em cada situação sejam apenas entediante. O que não anula as qualidades da animação. É apenas um defeito que não incomoda tanto principalmente porque o filme é curto, com 85 minutos de duração.
Entre os aspectos claros e óbvios, existe uma profundidade na falta de coerência entre tudo o que ocorre na tela. A beleza nas imagens que muitas vezes não correspondem às mensagens sobre “o bom selvagem” permite que o espectador seja introspectivo. Com a belíssima trilha do Emicida, o tom contemplativo engrandece o sentimento expresso pelas cores e imagens. Por mais que se aproxime do melodrama, é puro e sincero, como os sentimentos de crianças. O menino do filme tem emoções como qualquer outro.
Eis a grande beleza de O Menino e o Mundo. A pureza da produção é quase um retorno à infância, quando as ações de adultos não necessariamente fazem sentido. Quando palavras complexas não são compreensíveis e as dificuldades são apenas obstáculos cruéis que afastam da beleza da felicidade plena. Algo muito semelhante a ler O Pequeno Príncipe, que também entende a singeleza do raciocínio infantil.
Uma pérola que merece ser assistida. Especialmente por adultos. Crianças não precisam dessa nostalgia.