Um dos grandes prazeres para quem acompanha qualquer arte é ver aquele artista que a pessoa admira há tempos ganhar reconhecimento. Foi a sensação quando Brie Larson ganhou o Globo de Ouro contra atuações de pesos pesados como Saoirse Ronan, Cate Blanchett e Rooney Mara. Mas a alegria foi ainda maior ao sair da sessão de O Quarto de Jack e realizar que não apenas a atriz, mas quase tudo no filme merece a fama que gerou.
Jack (Jacob Tremblay) passou a vida inteira em um quarto com a mãe, Joy (Brie Larson). Quando ele completa cinco anos de idade, ela revela que existe um mundo além do cômodo e que o velho Nick (Sean Bridgers), que os visita todo domingo, a sequestrou quando ela tinha 17 anos. Mas, para Jack, o quarto é tudo o que existe e o resto do mundo é incompreensível.
O Quarto de Jack é um filme sobre perspectivas de vida e de mundo e sobre como os valores mudam ou não dentro de cada. Para Jack, a possibilidade de algo além das paredes do quarto é tão abstrata quanto tentar imaginar uma cor que não existe ou que nunca poderá ser concebida pela biologia humana. O escopo da existência para ele é um espaço de aproximadamente três metros quadrados. Como ele pode compreender o tamanho de todo o mundo e como as crenças dele mudam com base nisso?
Para responder a essas perguntas o roteiro de Emma Donoghue, que também escreveu o livro que é base para o filme, toma a decisão de acompanhar os eventos do ponto de vista de Jack. O que requer um escritor talentoso para escrever crianças. Os menores possuem linhas de raciocínio diferentes devido a uma compreensão incompleta dos funcionamentos do mundo. Donoghue revela genialidade neste quesito. As falas e reações de Jack são tão inesperadas quanto críveis, igual a uma criança normal. Como ele está em quase todas as cenas do filme e é ele quem conduz o espectador pela jornada, fazer com que isso dê certo é fundamental.
Entra em cena Jacob Tremblay, o garoto que interpreta Jack. Se não fosse o ator certo, o personagem não funcionaria. De alguma forma, Tremblay consegue compreender as infinitudes de nuances de sentimentos e percepções que a trama exige. O que é muito quando se pensa que o personagem não tem o mesmo poder de assimilação dele. Talvez Tremblay não tenha noção da complexidade do que realizou. Isso apenas torna ainda mais impressionante observá-lo em cena.
Para trabalhar a transformação do ponto de vista de Jack, o diretor Lenny Abrahamson cria toda a narrativa visual em cima disso. O quarto é filmado com planos profundos. Apesar de ser um espaço minúsculo, é um universo para o menino. Fazer com que as coisas fiquem fora de foco cria a perspectiva de que o quarto é imenso. As lentes usadas são mais fechadas, assim cada canto parece uma parte diferente de um universo maior. O espectador o recebe como um mundo, mesmo que o compreenda além disso. À medida em que Jack assimila a grandiosidade do mundo real e a pequenez do quarto, as lente ganham em ângulo e os focos se abrem. A visão do espectador passa a ver o mundo filmado assim como Jack começa a entender que precisa ver as coisas em um escopo maior. Isso leva para a última cena do filme, que fecha este ciclo de transição junto com a análise de mundo que a obra propõe.
A direção de arte é fundamental para isso também. O quarto, por menor que seja, precisa ter sinal de sete anos de vida enclausurada ali. Muito da história de Jack e Joy lá dentro é perceptível pelos detalhes escondidos através daquele pequeno ambiente. Sem contar que o planejamento de filmagem com certeza precisou que o set fosse desmontável em todas as partes para que a câmera pudesse se meter nos cantos mais apertados. O mundo do lado de fora também reflete essa riqueza de detalhe. Mesmo que certas características não sejam ditas ou explicadas elas podem ser compreendidas apenas pela atenção aos detalhes do cenário, dos figurinos e da maquiagem.
Com uma trama tão extrema dentro de uma situação de desespero específica, seria fácil cair no melodrama. Por mais que a situação seja de fato melodramática, seguir o ponto de vista de Jack dá certa leveza para o filme. Principalmente porque o compositor Stephen Rennicks não preenche as cenas com músicas tristes. Elas envolvem, na maioria, pequenos toques de instrumentos que remetem a músicas infantis. Não é uma exploração do drama, mas uma reflexão sobre as pessoas. O filme sabe disso, por isso não se dispõe a fazer chorar, mesmo que faça por conta da honestidade.
A Brie Larson é uma potência de interpretação. Tantas coisas podem ser absorvidas apenas por olhar para ela em cena. Antes mesmo que ela fale sobre o mundo exterior pela primeira vez com Jack, é possível ver no rosto dela o momento em que ela toma esta decisão. O que pode ser muito assustador em um filme como esse, porque o desespero dela ultrapassa as barreiras da tela e toma conta da plateia. É preciso dar destaque para a participação de Joan Allen, que comove com a quantidade de amor que ela insere na avó de Jack. Do resto do elenco, só vale mencionar o crime incompreensível de colocar um grande ator como o William H. Macy em pouco mais de cinco minutos de filme. Se é que ele aparece por tanto tempo.
O Quarto de Jack entraria facilmente na lista dos melhores filmes de 2015 se tivesse sido lançado durante o ano. Infelizmente, é apenas a grande surpresa entre os filmes que concorrem a melhores do ano enquanto estreia atrasado com todos os holofotes voltados para o grande favorito. Merece mais atenção de quem quer que vá para os cinemas.
GERÔNIMOOOOOOOO…
Belíssimo filme